Como se engendra a tortura, lance a lance
A verdade é que não raramente eu tenho diálogos e discussões fantásticas com a minha esposa… na minha cabeça. Sempre que eu estou chateado e decido ter uma conversinha com ela, toda uma discussão passa pela minha cabeça, com respostas delas, respostas minhas e, muito frequentemente, a minha lógica prevalece.
Você deve pensar:
“Lógico, na sua cabeça você está certo, por isso a sua lógica vai sempre ganhar a dela, na sua cabeça, mas na hora da discussão real ela reage diferente do que você tinha imaginado.”
Errado. Na maioria das vezes, ela responde exatamente o que eu tinha simulado.
O problema, meus caros, sou inteiramente eu. Na hora que ela dá a resposta já esperada, me dá um branco-Omo-imaculado tão grande, que eu simplesmente não consigo pensar em mais nada. E nessa hora, camarada, vira tortura. Porque agora que a conversa começou, ela vai querer dizer tudo o que ela pensa, tudo o que ela já te disse 200 vezes, tudo o que ela acha de você. E na sua cabeça tem um coelhinho sem Duracel que já ficou sem bateria faz tempo.
E o que é pior, o seu silêncio despoleta nela uma sensação de razão e auto-confiança(afinal, quem cala consente), e ela vai falando cada vez mais, ao mesmo tempo em que você se apercebe: “Não foi assim que eu ensaiei”.
É frustrante. E essa frustração transparece. A mulher vê a sua cara de frustrado, e fica achando que é porque você está dando razão a ela, quando na verdade, você está tentando descortinar das catacumbas do seu cérebro uma frase coerente, que rebata com lógica o argumento totalmente equivocado que ela acabou de chapar na sua cara como se fosse uma verdade irrevogável. E você quieto, sem conseguir dizer uma palavra. Quando consegue, é um protesto mínimo que apenas vai alimentar a fogueira.
Você consegue finalmente dizer:
“É aí que você se engana”.
Ela expande as narinas, abre os olhos na sua direção com fúria e prazer no olhar (porque ela sabe que você está incapacitado), e te pergunta:
“Estou enganada por quê? Me explica, quero que você me diga o que vai na sua cabeça, já que você nunca diz…”.
Companheiro, em português claro, nesse momento você tá na merda. Você gastou todos os recursos do seu cérebro para dizer “É aí que você se engana” e ela quer mais. Ela quer argumentos. E você só quer fugir dali. Quer que ela pare de falar, quer estar em qualquer lugar menos ali, enquanto ela, depois do seu silêncio, recomeça a falar, ainda mais confiante do que antes.
Aí você começa a ficar impaciente, e basta ela se empolgar um pouquinho mais e dizer algo ofensivo, que você é alvo de um sequestro de amigdala e, na tentativa de auto-preservação, como se fosse um reflexo, fala algo totalmente impensado e particularmente doloroso.
Ela começa a chorar. Você, ainda acreditando estar com a razão desde o início, ainda chateado com ela (por achar que está certo), pede desculpa. E mais uma vez ela vence a discussão, que desde o início já estava ganha, por ser uma discussão unilateral. É impossível você perder num monólogo.
Familiar?
As pesquisas mostraram que apesar do cérebro masculino “desligar” durante uma discussão com uma mulher, o mesmo não acontece durante uma discussão com outro homem. Seria hilário ver dois homens tendo uma DR, caso acontecesse.
Talvez os homens tenham o instinto de proteger as mulheres e tenham medo de magoá-las com algo dito. Talvez, na mente masculina, a discussão esteja associada a agressão e por isso os homens desliguem quando começam a brigar com uma mulher. Só acontece comigo quando a discussão é com alguém de quem eu gosto. Eu não tenho o menor problema quando preciso discutir com uma desconhecida.
Enfim, na minha visão essa é uma condição debilitante, frustrante e injusta, tanto para o homem, que gostaria de poder dizer tudo o que realmente pensa, quanto para a mulher, que gostaria de pelo menos uma vez na vida saber o que ele realmente está pensando, em vez de discursar sozinha por horas a fio enquanto ele só balança a cabeça.
Como você, homem, lida com isso? Acontece com você também? E você, mulher, se apercebe do que acontece com o homem durante uma discussão? Ou você acha que a cara de paisagem dele é apenas uma afronta e sinal de desrespeito?
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